March 17, 2025
By Thiago Favero, EVCF Fellow
"Vindo de uma formação não convencional para o mercado de investimentos, essa projeção me mostra que há espaço para outros perfis no mundo de investimentos e inovação. Isso reforça minha crença de que diversidade de trajetórias não só é possível, como necessária"
Marília é Associate na Valete Capital, Fellow no EVCF, Membro do WIN - Women Investors e do Global Women em V, além de host no podcast Women em CVC.
Thiago: Marília, conta pra gente um pouco da sua trajetória até chegar à posição que você ocupa hoje. Como foi essa construção de carreira no ecossistema de inovação?
Marília: Desde o início da minha jornada profissional, eu sempre estive inserida no ecossistema de empreendedorismo e startups, seja como empreendedora de fato, ou fomentando esse ecossistema, seja com aceleração de empresas, mentoria de startups e investimento.Me formei em Ciências Políticas na Unicamp e, durante a faculdade, fundei uma startup voltada para divulgação de eventos culturais. Esse projeto me mostrou o impacto real que o empreendedorismo pode gerar e me levou a participar, inclusive, do programa de aceleração de negócios Startup SP, do Sebrae. Foi durante esse período que percebi que minha paixão estava em apoiar founders, conectá-los e ajudar a estruturar seus negócios.
A partir disso, fui convidada a ingressar no time na Venture Hub, aceleradora e fundo early stage e aprendi a encontrar e desenvolver os melhores founders, estruturar programas de aceleração de startups e corporate venture com grandes empresas, o que deu início à minha imersão no universo da inovação corporativa. Depois, fui para a Samsung, onde participei da reestruturação do Creative Startups, programa de aceleração de produtos da multinacional, e mais tarde para a EDP, onde participei da fundação da Innovation Factory, uma célula de desenvolvimento de soluções e projetos de inovação com startups que atuava dentro das unidades de negócio do grupo. A empresa também tinha um veículo de investimento e por estarmos sob a mesma diretoria, acabei vivendo uma espécie de "guarda compartilhada" entre inovação aberta e Corporate Venture Capital (CVC), o que me permitiu aprofundar ainda mais nesse universo, como Biz Dev das investidas da EDP Ventures.
Thiago: Quais são, na sua visão, as principais diferenças e desafios entre o CVC e o VC tradicional?
Marília: A principal diferença está na motivação por trás do investimento. Enquanto os fundos de VC tradicionais focam no retorno financeiro, os CVCs precisam equilibrar retorno financeiro e estratégico. Existe uma percepção equivocada de que CVCs olham apenas para sinergia com o core business, mas, sem retorno financeiro, a operação perde espaço dentro da corporação. Muitas iniciativas são encerradas por não conseguirem demonstrar valor econômico a longo prazo, mesmo com uma tese de investimentos bem desenhada.
Outro ponto crítico é a estrutura de decisão. Fundos tradicionais costumam ser mais ágeis, enquanto o CVC tem processos internos mais complexos, com múltiplos stakeholders, etapas de aprovação e decisões que, muitas vezes, são influenciadas por dinâmicas corporativas. Isso exige um trabalho contínuo de alinhamento e conhecimento profundo da empresa e de suas prioridades. O CVC é, acima de tudo, uma atividade estratégica e política, que precisa navegar entre esses diferentes interesses, por isso, nem sempre segue as principais tendências de tecnologia do mercado — e tudo isso impacta diretamente o quê, quando e por que se investe.
Thiago: Hoje você faz parte de redes de mulheres investidoras, como Global Women in VC, WeInvest LATAM e WIN- Women Investors, além do EVCF. Como esses projetos contribuíram para a sua trajetória?
Marília: O Emerging foi um ponto de virada na minha carreira. Entrei na comunidade ainda na EDP, enquanto estava em transição de inovação aberta para CVC. E inclusive não fui selecionada na primeira tentativa porque meu cargo não refletia formalmente essa função, mas busquei os fundadores, expliquei meu envolvimento e fui aceita em Outubro de 2022. Pouco tempo depois, fui convidada para assumir a liderança do GT de Eventos e depois da Parcerias, o que me deu visibilidade e conexões valiosas — inclusive oportunidades de trabalho.
Sempre me envolvi em iniciativas de apoio a mulheres no mercado e minha primeira experiência no mercado de venture capital foi inclusive um curso de Valuation do Elas&VC. Em 2023, por exemplo, liderei a criação de um programa para fomentar o empreendedorismo feminino dentro de um dos fundos para o qual eu trabalho. Essas redes vão além da representatividade: são espaços de construção coletiva, trocas inspiradoras e geração de oportunidades concretas.
Thiago: Você foi reconhecida pela Lavca como Emerging Women Investors. Como foi esse reconhecimento para você?
Marília: Foi muito especial! A primeira vez que eu fui mencionada nesse tipo de iniciativa foi no Women to Watch, do Global Corporate Venture, quando ainda estava na EDP. Esse reconhecimento na época foi um reforço pessoal de que eu estava no caminho certo para fazer essa transição. Querendo ou não, ter a oportunidade de ser citada nesse tipo de ranking acaba sendo uma validação do seu trabalho no mercado, uma resposta de que o que você está fazendo está surtindo algum efeito.
Vindo de uma formação não convencional para o mercado de investimentos, essa projeção me mostra que há espaço para outros perfis no mundo de investimentos e inovação. Isso reforça minha crença de que diversidade de trajetórias não só é possível, como necessária.
Sempre digo que o ecossistema de VC e CVC precisa ser feito com diversidade. E aqui estou falando de gênero, raça, idade, perfil socioeconômico e, principalmente, de background profissional. Pessoas com olhares diferentes percebem dores diferentes, e isso amplifica a capacidade de identificar boas oportunidades de investimento. Sair do óbvio e olhar onde ninguém está olhando só é possível quando a gente junta repertórios distintos. E, no fim do dia, isso gera mais retorno. Por isso, esse reconhecimento da Lavca é mais do que simbólico — ele valida uma visão de mercado que eu acredito profundamente.
Thiago: Como você avalia a evolução da presença feminina no VC nos últimos anos?
Marília: Eu sinto que, apesar de ainda estarmos longe do ideal, tem ocorrido uma evolução. Quando comecei a me aproximar do mercado de VC, em 2020, era muito raro ver outras mulheres nos eventos. Mesmo no próprio EVCF, tenho visto cada vez mais mulheres ingressando nos batches ao longo do ano e temos criado iniciativas específicas para isso, como o Women in VC, projeto de network para mulheres dentro do fellowship que ajudei a estruturar em 2023.
No entanto, se trouxermos dados da América Latina, vemos que ainda há um caminho considerável a ser percorrido. Apesar do cenário de venture capital estar em expansão, em 2023 apenas 20% dos fundos de venture capital na região eram liderados ou coliderados por mulheres (LAVCA). No Brasil, menos de 5% dos profissionais de VC e CVC são mulheres negras, e a representatividade LGBTQIA+ é quase inexistente (Dados ABCVC). O EVCF lançou, inclusive nessa semana, um report sobre Carreiras em Venture Capital, que corrobora com essa visão. Ainda temos poucas mulheres liderando iniciativas de investimento e quando somamos a outras minorias, o mercado ainda tem muito a evoluir.
Há ainda outros desafios, como a falta de perfis com formações diversas no mercado financeiro. Ainda são poucas mulheres com formações em STEAM - e isso também acaba sendo uma barreira de entrada. Mas é justamente aí que está o valor: existem muitas formas de contribuir em um fundo além da análise financeira pura. Produto, operação, comunidade, parcerias, value creation — todas essas frentes são fundamentais. E quanto mais abrirmos espaço para backgrounds diversos, mais rico e estratégico o ecossistema se torna. O importante é que essa diversidade seja real e ativa, não apenas simbólica. E, para isso, redes de apoio e referências visíveis fazem toda a diferença.
Thiago: Nesse contexto, como surgiu o podcast “Mulheres no CVC”? Qual é o objetivo do projeto?
Marília: O podcast nasceu da vontade de explorar o capital intelectual de mulheres que já estão liderando iniciativas importantes no ecossistema de inovação e CVC. Muitas vezes, quando somos chamadas para falar, o foco recai sobre conciliação de papeis, maternidade ou os desafios de ser mulher no mercado — temas importantes, claro, mas que não resumem nossa atuação. A proposta do podcast é diferente: trazer discussões estratégicas, com profundidade, sobre negócios, inovação, investimento e construção de valor — conduzidas por mulheres que estão nesses lugares de tomada de decisão.
Já entrevistamos lideranças de empresas como Braskem, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e outras gestoras relevantes do mercado. Um episódio que gosto muito é o segundo, sobre construção de comunidades no CVC. A conversa foi com a Marcella Falcão, do Cubo, e a Maria Beatriz Bragança, do Bradesco, e falamos sobre como criar um ecossistema que realmente gere valor em torno do portfólio. Em um cenário em que corporações muitas vezes disputam os mesmos deals com VCs tradicionais, construir comunidade é um diferencial competitivo real — e, no longo prazo, pode ser o que garante a perenidade de um fundo corporativo.
Thiago: Qual é o grande sonho da Marília profissional — e o da Marília pessoal?
Marília: Profissionalmente, meu maior sonho é continuar sendo uma ponte. Quero ser lembrada como alguém que ajuda a resolver problemas — mesmo que, muitas vezes, não tenha a solução em mãos, mas saiba como conectar as pessoas certas para encontrá-la. Meu propósito está em gerar valor para as pessoas com quem me conecto, seja founders, investidores, corporações ou comunidades. Daqui a 10, 20 anos, não sei em que setor vou estar, mas quero continuar atuando com esse espírito: o de ser útil, de abrir caminhos, de facilitar conexões que realmente transformem.
No lado pessoal, meu sonho é seguir rodeada de pessoas que amo e que me amam. Cultivar vínculos verdadeiros, demonstrar afeto, cuidar das minhas relações. Isso, pra mim, é uma forma de criar rede no sentido mais humano da palavra. No fim das contas, é sobre estar conectada — com propósito, com afeto, com intenção.
Thiago: Para finalizar: com tantos projetos, sobra tempo para hobbies?
Marília: Tenho uma conexão muito forte com o universo artístico e há algum tempo venho atuando como criadora de conteúdo, especialmente no Tiktok, sobre universo da decoração e moda. Acho que posso quase ser considerada uma nano influenciadora (risos).
Além disso, amo estar ao ar livre — seja praticando corrida, fazendo yoga ou simplesmente curtindo o dia. E algo que virou quase um ritual pessoal é receber pessoas em casa. Gosto de organizar brunchs e jantares, principalmente entre amigas que atuam no ecossistema de VC. Esses encontros são momentos de pausa e troca verdadeira, onde misturamos os mundos pessoal e profissional de forma leve. É onde recarrego minha energia e mantenho viva essa rede de conexões que tanto valorizo.